Em fevereiro deste ano, Raashi Sikka se juntou à Ubisoft como VP de Diversidade e Inclusão Global, uma nova função na empresa, criada como parte de um compromisso contínuo para construir um ambiente de trabalho inclusivo na Ubisoft e na indústria de videogames em geral. Sikka será a responsável por desenvolver e promover iniciativas de diversidade e estratégias de inclusão nos estúdios e escritórios globais da Ubisoft.
A equipe de Notícias da Ubisoft teve a oportunidade de conversar com Sikka algumas semanas após sua chegada. Ela falou sobre suas primeiras impressões da empresa, como ela se interessou em trabalhar em temas de diversidade e inclusão, quais são suas opiniões sobre a indústria de videogames e como todos podem se envolver para tornar a Ubisoft um lugar mais diverso e inclusivo.
Abaixo você lê uma versão editada dessa entrevista.
Você poderia contar pra gente um pouco sobre sua educação e carreira?
Raashi Sikka: Eu estudei mídia de massa e comunicação, já que sempre fui fascinada por histórias que as pessoas contam em diferentes formatos. Um de meus primeiros trabalhos fora da faculdade foi em um canal de notícias, em Nova Delhi, chamado NDTV. Fiquei encarregada de produzir a primeira teleton ao vivo da Índia, arrecadando dinheiro para o meio ambiente. O programa foi um enorme sucesso!
Depois, eu me mudei para Mumbai para trabalhar com entretenimento, uma coisa completamente nova para mim. Entrei em uma pequena produtora de televisão para trabalhar como Produtora Supervisora do Indian Idol (a versão local do American Idol), e pude produzir vários programas depois dele.
Mas acabei me decepcionado com o que estávamos fazendo com os reality shows. Percebi que os programas em que trabalhei estavam perpetuando muitos estereótipos. Não me sentia bem com isso e quis mudar umas coisas, mas, naquele momento, a indústria não estava pronta para essa mudança. Então decidi fazer uma pausa e ponderar meus próximos passos.
Naquela época, a Uber estava planejando iniciar as atividades na Índia. Isto foi em 2013, e a Uber ainda não era uma marca de peso, mas eu me joguei. Fui a primeira contratada da empresa em Nova Delhi. Primeiro, fui responsável pelo marketing e comunidade na região, e depois me mudei para trabalhar na sede internacional deles, em Amsterdã, cerca de um ano depois, para me juntar à equipe de Talentos.
Por que você decidiu se especializar em diversidade e inclusão?
RS: Como alguém que entrou cedo na empresa, notei que havia um certo arquétipo de como um "bom talento" deveria ser. Eu mesma não me enquadrei nesse arquétipo, portanto, quando me juntei à equipe de Talentos da Uber, foi com o objetivo de desafiar essa norma e ampliar nossa definição de talento.
Com o passar dos anos, comecei a desempenhar um papel ativo na construção da inclusão na Uber, por meio do lançamento dos Grupos de Recursos de Funcionários (ERGs, em inglês) regionais, liderando o ERG Mulheres na Uber e desempenhando um papel consultivo sobre o tema para a liderança. Em 2017, quando a Uber decidiu criar uma equipe de D&I, tive a oportunidade de fazer a transição para esse espaço. Meu último papel na Uber foi como Chefe de D&I para as regiões da Europa, Oriente Médio e África e também das regiões Ásia-Pacífico, e globalmente para a Uber Eats.
Acha que sua visão internacional influenciou seu interesse por D&I?
RS: Com certeza. Meus pais deixaram a Índia pelos Estados Unidos quando eu era um bebê. Eles queriam ter certeza de que eu teria uma criação tranquila, livre de preconceito e discriminação que eles sabiam que eu poderia enfrentar como uma imigrante asiática de primeira geração nos EUA. Pensando nisso, quando eu era pequena, nunca aprendi hindi nem muito sobre minhas raízes ou cultura indiana. Foi um verdadeiro choque cultural quando voltamos para a Índia. De repente, eu estava cercada por pessoas que se pareciam comigo, mas que não se pareciam comigo, sequer compartilhávamos referências culturais em comum.
Sempre tive a sensação de nunca pertencer verdadeiramente a lugar algum, o que me marcou a vida toda. Por isso, decidi criar inclusão para mim mesma ao criar inclusão para outras pessoas. Faz parte de minha identidade e de como eu lido com o mundo.
Algum aprendizado em específico ou boas práticas que você adquiriu nas experiências anteriores e que planeja levar consigo de agora em diante?
RS: Não acredito que existam "boas práticas" de outras empresas, mas sim boas práticas que precisam ser ajustadas a cada instituição. Meu primeiro mês na Ubisoft foi inteiramente dedicado aprender e ouvir, a fim de me ajudar a formular e cocriar a visão, a missão e a estratégia da Ubisoft.
Ouvi falar muito sobre os Grupos de Recursos de Funcionários da Ubisoft, o que me dá uma noção do ambiente dos escritórios, regiões e estúdios. Como alguém que já liderou ERGs no passado, sei como liderar um pode ser difícil, mas gratificante. Estou animada para promover mais sinergias entre os grupos que foram criados e aqueles que estão apenas começando. Pela minha experiência, sei do papel estratégico que os ERGs podem desempenhar, uma vez apoiados, reconhecidos e recompensados pela empresa, e espero tornar isso possível.
Outra área que estou animada para explorar é a produção. Entendo a pressão e os prazos de preparação e envio de um produto, tanto do ponto de vista do entretenimento, quanto do ponto de vista técnico. Estou curiosa para explorar o que realmente significa fazer jogos inclusivos na Ubisoft e como podemos avançar nessa área de forma criativa e inclusiva.
Diversidade e inclusão são palavras bastante utilizadas, mas o que significam exatamente para você, e como elas se manifestam em uma empresa como a Ubisoft?
RS: É verdade, palavras como diversidade, igualdade e inclusão estão sendo muito usadas, especialmente no ano passado, e muitas vezes de forma incorreta. Sem falar especificamente do significado literal dessas palavras, o que significam para mim é oportunidade, mudança, um mundo melhor e mais inclusivo, além de fazer a coisa certa. Quando não valorizamos a diversidade, a igualdade e a inclusão, estamos perdendo grandes oportunidades, tanto de uma perspectiva humana quanto comercial. Para a Ubisoft, será fundamental que incorporemos nossa estratégia de D&I em nossa estratégia comercial. E não dá para negar a ligação entre uma força de trabalho diversificada e inclusiva, sustentada por sistemas e processos igualitários, e a inclusão, autenticidade e diversidade das histórias, mundos e personagens em nossos jogos.
No ano passado, vimos muitas mudanças na sociedade. Como isso influenciou a diversidade e a inclusão no local de trabalho?
RS: Realmente, no ano passado nós lançamos uma luz nas desigualdades que existem na sociedade como um todo. Na última década, vários países fizeram progressos na igualdade de gênero, aumentando a representação de mulheres e pessoas não brancas no local de trabalho, tanto em geral quanto em papéis de liderança. A crise da COVID tem desfeito muito desse trabalho. Por exemplo, [relatórios] (https://www.weforum.org/agenda/2020/10/women-work-gender-equality-covid19/) mostram que as mulheres são desproporcionalmente afetadas por demissões, já que houve mais impacto nas indústrias de contato intensivo, como hospitalidade, educação e varejo, que tendem a ter uma representação mais elevada de mulheres. O fechamento de creches e escolas também teve um impacto enorme, com mais mulheres deixando o local de trabalho já que elas são as principais responsáveis.
Se olharmos para o impacto da COVID-19 sobre as pessoas não brancas em todo o mundo, fica claro que as pessoas não brancas também sofreram [desproporcionalmente] (https://www.catalyst.org/research/covid-effect-gender-racial-equality/).
Além disso, o movimento Black Lives Matter criou, no verão passado, um espaço para que as pessoas olhassem para a forma injusta como os sistemas e processos haviam sido construídos em instituições públicas e privadas. Em muitas organizações, essa foi a primeira vez em que os líderes reconheceram que existem disparidades e que há uma enorme quantidade de trabalho a ser feito para corrigir e criar sistemas de igualdade e justiça.
Qual era a sua impressão sobre os videogames, antes de se juntar à Ubisoft?
RS: A indústria dos videogames é cheia de pessoas apaixonadas. Ainda enfrenta problemas em torno da D&I, mas isso significa que tem muitas oportunidades para melhorar e crescer.
Acho que está claro que muito trabalho precisa ser feito para melhorar a inclusão nos videogames. Eu sou nova nessa indústria, por isso estou ansiosa para aprender mais e compreender melhor as equipes da Ubisoft e a comunidade que joga nossos jogos.
Você chegou à Ubisoft no dia 1º de fevereiro. Qual foi sua primeira impressão sobre a empresa?
RS: Mesmo antes de começar, quando foi anunciado pela primeira vez que eu me juntaria à Ubisoft, recebi uma enxurrada de mensagens no LinkedIn, pessoas me enviando mensagens e comentários positivos.
Agora que cheguei, integrantes da equipe têm sido tão generosos com seu tempo, passando horas me ensinando como funcionam as pessoas e a cultura. Todos que conheci têm me apoiado e me ajudado muito. A paixão e o amor pelo que fazem é definitivamente algo que se destaca nas minhas primeiras impressões. Além disso, a organização reconhece que mudança são importantes e está abraçando isso positivamente.
Você tem alguma dica ou recomendação para pessoas que querem tomar medidas concretas para melhorar a diversidade e a inclusão em seu local de trabalho?
RS: Dependendo de onde você esteja na sua jornada de D&I, meu ponto de partida seria se educar e passar seu tempo lendo e ouvindo. Muitas ferramentas e recursos estão disponíveis para ajudar a encontrar informações, sejam elas vídeos do YouTube, livros, filmes, podcasts ou artigos. Uma vez que você já tenha feito o trabalho necessário para construir sua conscientização e fazer sua introspecção, ponha em ação parte de seu aprendizado. Outro ótimo ponto de partida é se juntar a um ERG como aliado, aliada ou integrante, caso eles existam onde você trabalha; participar de eventos de D&I e procurar construir relacionamentos e entender as perspectivas de pessoas que são diferentes de você.
É importante saber que, para sermos inclusivos, é necessário haver intenção. A inclusão não é nosso padrão normal, ao contrário do que possamos acreditar. Por isso, ouvir, ler, pensar sobre como as coisas que você faz podem estar impactando os outros, esse é o ponto de partida.
Além disso, se você estiver se envolvendo em conversas sobre esses tópicos, prepare-se para se sentir um pouco desconfortável. À medida que você aprende e cresce nesse espaço, esteja ciente de que alguns conceitos e perspectivas serão novos para você e nem sempre haverá uma identificação inicial. Todos nós precisamos aprender a nos sentirmos confortáveis com o desconforto. Mas é importante abordar isso com uma intenção positiva e estender a gentileza a si e aos outros ao embarcar nessa jornada.
Se você já fez o trabalho, então nada o impede de agir. Vá e faça! Traga perspectivas diversas, certifique-se de não ir sempre às mesmas pessoas para obter conselhos e lembre-se da justiça e da empatia em suas interações com os outros. São as ações pequenas e cotidianas que criam uma cultura inclusiva. Não há nada grande ou assustador demais que possa impedir você.